REZANDO COM O EVANGELHO DO DIA
(LECTIO DIVINA)
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
Sábado da 2ª Semana da Quaresma
1) Oração
Ó
Deus, que pelos exercícios da Quaresma,
já
nos dais na terra participar dos bens do céu,
guiai-nos
de tal modo neste vida,
que
possamos chegar à luz em que habitais.
Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso
Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Lucas 15,
1-3.11-32)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Lucas - Naquele
tempo, 1Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para
ouvi-lo. 2Os fariseus e os escribas murmuravam: Este homem recebe e
come com pessoas de má vida! 3Então lhes propôs a seguinte parábola:
11Disse também: Um homem tinha dois filhos. 12O mais moço
disse a seu pai: Meu pai, dá-me a parte da herança que me toca. O pai então
repartiu entre eles os haveres. 13Poucos dias depois, ajuntando tudo
o que lhe pertencia, partiu o filho mais moço para um país muito distante, e lá
dissipou a sua fortuna, vivendo dissolutamente. 14Depois de ter
esbanjado tudo, sobreveio àquela região uma grande fome e ele começou a passar
penúria. 15Foi pôr-se ao serviço de um dos habitantes daquela
região, que o mandou para os seus campos guardar os porcos. 16Desejava
ele fartar-se das vagens que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17Entrou
então em si e refletiu: Quantos empregados há na casa de meu pai que têm pão em
abundância... e eu, aqui, estou a morrer de fome! 18Levantar-me-ei e
irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; 19já
não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados.
20Levantou-se, pois, e foi ter com seu pai. Estava ainda longe,
quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro,
lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. 21O filho lhe disse, então: Meu
pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho. 22Mas o pai falou aos servos: Trazei-me depressa a melhor
veste e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés. 23Trazei
também um novilho gordo e matai-o; comamos e façamos uma festa. 24Este
meu filho estava morto, e reviveu; tinha se perdido, e foi achado. E começaram
a festa. 25O filho mais velho estava no campo. Ao voltar e
aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. 26Chamou um servo
e perguntou-lhe o que havia. 27Ele lhe explicou: Voltou teu irmão. E
teu pai mandou matar um novilho gordo, porque o reencontrou são e salvo. 28Encolerizou-se
ele e não queria entrar, mas seu pai saiu e insistiu com ele. 29Ele,
então, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, sem jamais transgredir
ordem alguma tua, e nunca me deste um cabrito para festejar com os meus amigos.
30E agora, que voltou este teu filho, que gastou os teus bens com as
meretrizes, logo lhe mandaste matar um novilho gordo! 31Explicou-lhe
o pai: Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Convinha,
porém, fazermos festa, pois este teu irmão estava morto, e reviveu; tinha se
perdido, e foi achado. - Palavra da salvação.
3) Reflexão
* O capítulo 15 do
evangelho de Lucas está pendurado na seguinte informação: "Todos os
publicanos e pecadores se aproximavam para ouvir Jesus. Os fariseus e os
escribas, porém, murmuravam: Esse homem recebe os pecadores e come com
eles!" (Lc 15,1-3). Em seguida, Lucas traz três parábolas ligadas entre si
pelo mesmo assunto: a ovelha perdida (Lc 15,4-7), a moeda perdida
(Lc 15,8-10), o filho perdido (Lc 15,11-32). Esta última
parábola é o assunto do evangelho de hoje.
* Lucas 15,11-13: A decisão do
filho mais novo. Um homem
tinha dois filhos. O mais novo pede a parte da herança que lhe toca. O pai
divide tudo entre os dois. Tanto o mais velho como o mais novo, ambos recebem a
sua parte. Receber herança não é mérito. É um dom gratuito. A herança dos dons
de Deus está distribuída entre todos os seres humanos, tanto judeus como
pagãos, tanto cristãos como não cristãos. Todos têm algo da herança do Pai. Mas
nem todos cuidam da mesma maneira. Assim, o filho mais novo parte para longe e
gasta a sua herança numa vida dissipada, esquecendo-se do Pai. No tempo de
Lucas, o mais velho representava as comunidades vindas do judaísmo, e o mais
novo, as comunidades vindas do paganismo. E hoje, quem é o mais velho e o mais
novo?
* Lucas 15,14-19: A desilusão e
a vontade de voltar para a casa do Pai.
A necessidade de ter o que comer faz com que o mais novo perca a sua
liberdade e se torne escravo para cuidar dos porcos. Recebe tratamento pior que
os porcos. Esta era a condição de vida de milhões de escravos no império romano
no tempo de Lucas. A situação em que está faz o mais novo cair em si e
lembrar-se da casa do Pai. Ele faz uma revisão de vida e decide voltar para
casa. Prepara até as palavras que vai dizer ao Pai: “Já não mereço ser teu
filho! Trata-me como um dos teus empregados!” Empregado executa ordens, cumpre
a lei da servidão. O filho mais novo quer ser cumpridor da lei, como o queriam
os fariseus e os escribas no tempo de Jesus (Lc 15,1). Era isto que os
missionários dos fariseus impunham aos pagãos que se convertiam ao Deus de
Abraão (Mt 23,15). No tempo de Lucas, cristãos vindos do judaísmo conseguiram
que alguns cristãos, convertidos do paganismo, se submetessem ao jugo da lei
(Gl 1,6-10).
* Lucas 15,20-24: A alegria do
Pai ao reencontrar o filho mais novo.
A parábola diz que o filho mais novo ainda estava longe de casa e o
Pai já o viu, corre ao seu encontro e o cumula de beijos. A impressão que Jesus
nos dá é que o Pai ficou o tempo todo na janela olhando a estrada para ver o
filho apontar lá longe na esquina! Conforme o nosso modo humano de pensar e de
sentir, a alegria do Pai parece exagerada. Nem deixa o filho terminar as
palavras que tinha preparado. Nem escuta! O Pai não quer que o filho seja seu
escravo. Quer que seja filho! Esta é a grande Boa Nova que Jesus nos trouxe!
Túnica nova, sandálias novas, anel no dedo, churrasco, festa! Nesta alegria
imensa do reencontro, Jesus deixa transparecer como era grande a tristeza do
Pai pela perda do filho. Deus estava muito triste e isto a gente só fica
sabendo agora, vendo o tamanho da alegria do Pai quando reencontra o filho! E é
uma alegria partilhada com todo mundo na festa que ele manda preparar
* Lucas 15,25-28b: A reação do filho mais
velho. O filho mais velho
volta do serviço no campo e encontra a casa em festa. Não entra. Quer saber de
que se trata. Quando soube do motivo da festa, ficou com muita raiva e não quis
entrar. Fechado em si mesmo, ele pensa ter o seu direito. Não gostou da festa e
não entendeu a alegria do Pai. Sinal de que não tinha muita intimidade com o
Pai, apesar de viver na mesma casa. Pois, se tivesse, teria notado a imensa
tristeza do Pai pela perda do filho mais novo e teria entendido a alegria dele
pela volta do filho. Quem vive muito preocupado em observar a lei de Deus,
corre o perigo de esquecer o próprio Deus! O filho mais novo, mesmo longe de
casa, parecia conhecer o Pai melhor que o filho mais velho, que morava com ele
na mesma casa! Pois o mais novo teve a coragem de voltar para a casa do Pai,
enquanto o mais velho não quer mais entrar na casa do Pai! Ele não se dá conta
de que o Pai, sem ele, vai perder a alegria. Pois também ele, o mais velho, é
filho do mesmo jeito que o novo!
* Lucas 15,28a-30: A atitude do Pai e a resposta do filho mais velho. O pai sai de casa e suplica ao
filho mais velho para entrar. Mas este responde: "Pai, tantos anos que eu
sirvo ao senhor. Jamais transgredi um só dos seus mandamentos, e o senhor nunca
me deu um cabrito sequer para festejar com meus amigos. E vem esse seu filho,
que devorou seus bens com prostitutas e o senhor manda matar até o novilho
gordo!" O mais velho também quer festa e alegria, mas só com os amigos.
Não com o irmão, nem com o pai. Ele nem sequer chama o mais novo de irmão, mas
"esse seu filho", como se não fosse mais irmão dele. E é ele, o mais
velho, que fala em prostitutas. É a malícia dele que interpretou assim a vida
do irmão mais novo. Quantas vezes o irmão mais velho não interpreta mal a vida
do irmão mais novo! Quantas vezes nós católicos interpretamos mal a vida e a religião
dos outros! A atitude do Pai é outra. Ele acolheu o filho mais novo, mas também
não quer perder o filho mais velho. Os dois fazem parte da família. Um não pode
excluir o outro!
* Lucas 15,31-32: A resposta
final do Pai. Da mesma maneira
como o Pai não deu atenção aos argumentos do filho mais novo, assim também não
dá atenção aos argumentos do mais velho e lhe diz: "Filho, tu estás sempre
comigo e tudo o que é meu é teu! Mas esse teu irmão estava morto e tornou a
viver. Estava perdido e foi reencontrado!" Será que o mais velho tinha
realmente consciência de estar sempre com o Pai e de encontrar nesta presença a
causa da sua alegria? A expressão do Pai "Tudo que é meu é teu!"
inclui também o filho mais novo que voltou! O mais velho não tem o direito de fazer
distinção. Se ele quer ser mesmo filho do Pai, terá que aceitá-lo do jeito que
ele é e não do jeito que ele gostaria que o Pai fosse! A parábola não diz qual
foi a resposta final do irmão mais velho. Isto fica por conta do próprio irmão
mais velho que somos nós!* Quem experimenta a
gratuita e surpreendente entrada do amor de Deus em sua vida torna-se alegre e
quer comunicar esta alegria aos outros. A ação salvadora de Deus é fonte de
alegria: “Alegrem-se comigo!” (Lc 15,6.9) É desta experiência da gratuidade de
Deus que nasce o sentido da festa e da alegria (Lc 15,32). No fim da parábola,
o Pai manda ser alegre e fazer festa. A alegria ficou ameaçada por causa do
filho mais velho que se recusa a entrar. Ele pensa ter direito a uma alegria só
com os seus amigos e não quer a alegria com todos da mesma família humana. Ele
representa os que se consideram justos e observantes e acham que não precisam
de conversão.
4) Para um confronto pessoal
1. Qual a imagem de Deus que está em mim desde a minha infância? Ela mudou ao longo dos
anos? Se mudou, por que mudou?
2. Eu me identifico com qual dos dois filhos: com o mais novo ou com o
mais velho? Por que?
5) Oração final
Minha alma, bendize o SENHOR
e tudo o que há em mim, o seu santo
nome!
Minha alma, bendize o SENHOR,
e não esqueças nenhum de seus
benefícios.
É ele quem perdoa todas as tuas culpas,
que cura todas as tuas doenças. (Sl 102, 1-3).
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